Será que agora sai a tão sonhada ‘revitalização’ da W3 Sul? Movimento Viva W3 pretende, mas…

Secretaria de Turismo lança desafio a designers, arquitetos, grafiteiros, artistas: transformar o Projeto Viva W3 em movimento que fará corredor turístico-cultural entre a 503 e a 508 Sul.

LONGE DE MIM dar uma de Tomé e dizer que “eu só acredito vendo”, porque a ideia é realmente boa, e imagino que qualquer gestor dessa cidade que consiga dar um gás, um banho de loja, um tchaki tchaki na W3 Sul vai ser muito bem visto. Acontece que já se falou, se especulou, se reuniu, se criou, se queimou muito mafufo desde o governo Roriz sobre este assunto: reavivar a W3 Sul. Claro que seria genial trazer de volta a avenida que já foi o ponto de encontro da cidade, o charme de se seus passeios largos calçados com pedras portuguesas, o movimento de pessoas indo e vindo sem pressa. Mas muita coisa tem que ser combinada com os russos, e já explico exatamente o quê (e secretaria de Turismo, desde já, aviso: de nada pela consultoria grátis, me contratem, bjos, rs!). Antes, precisamos conhecer o que se pretende fazer, então…

O que se pretende fazer

A princípio, quer-se transformar o trecho entre a 503 e a 508 Sul num corredor cultural. O primeiro foco será na 507, que sofrerá o que chamaram de “uma intervenção urgente”.

Vamos já começar com esse movimento [de revitalização da W3]. Isso não é uma marca apenas. É um movimento. É isso que nós precisamos imprimir na W3. Vocês têm uma W3 inteira para pensar”

Vanessa Mendonça, secretária de Turismo

Esse “vocês” foi destinado a agentes do segmento criativo que participaram de uma reunião com a Vanessa. Ela disse que a causa a favor da nova W3 como “Distrito Criativo” tem que ir além do governo do Distrito Federal: “é preciso chegar aos moradores”. Bom, apenas anotem este como o ponto 1 da conversa de mais adiante…

:: Leia mais: neste site, já escrevi sobre a existência de uma mini Broadway em nossa W3 Norte… ::

A secretária executiva de Acompanhamento e Monitoramento de Políticas Públicas da Secretaria de Governo, Meire Mota, também tava na reunião.

Antes, houve até manifestações preconceituosas de que a abertura representaria a favelização da W3. Agora temos mais de 80% de aprovação de empresários e de frequentadores da área”

Meire Mota, secretária de Políticas Públicas

Ela disse isso em relação a pesquisas feitas pela Federação do Comércio do DF (Fecomércio-DF) e pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Ponto 2, tá?

Vanessa disse que está prevista a criação do Complexo de Atividades Sociais e Inovação (Coasi) no prédio do antigo Cine Cultura. Uma marca desse tempo novo será a pintura de paineis nesse prédio, com personagens da concepção de Brasília: o fundador da capital, Juscelino Kubitschek; o arquiteto Oscar Niemeyer, o urbanista Lucio Costa, o paisagista Burle Mark e os artistas plásticos Athos Bulcão e Marianne Peretti. Nos painéis laterais inferior e frontais do prédio, vários artistas vão fazer releitura de desenhos dos homenageados.

A projeção pra essa fachada é essa que vemos aqui no topo do texto. Essa ideia é BEM legal. Aquele prédio tá há séculos largado, abandonado, e de pensar que ali funcionava um cinema, do lado do Teatro da Escola Parque e do Espaço Cultural da 508 Sul, dá mesmo um apertinho no heart.

O que já foi feito

O Projeto Viva W3 fez um ano em junho, quando a avenida passou a ser aberta ao lazer aos domingos e feriados e fechada para os carros. Ponto positivo! E essa nova ação deve dar continuidade à reforma da avenida, que está recebendo novo calçamento, melhorias nos estacionamentos e iluminação em luzes de led.

Também foi nesse período pandêmico que um grupo de empreendedores abriu uma pracinha na 506 Sul, no que antes era um beco abandonado. E teve a criação do Mercado do Café, no lugar onde antes havia o Mercado Central – isso na 509, região fora da abrangida inicialmente pelo projeto da secretaria de Turismo.

:: Pra não dizerem que tô de má vontade: ontem mesmo fiz mó texto legal sobre a criação da Rota do Rock, ó! ::

O que precisa ser combinado com os russos

Em primeiro lugar, antes de chegarmos aos pontos destacados no texto: é desrespeitoso dizer “vamos revitalizar um lugar” se há seres humanos vivendo e trabalhando ali. Eles não estão mortos. Então, que tal usar termos como reanimação e requalificação? (Calma: essa crítica é generalista, não direcionada – eu não disse que alguém disse isso, a crítica é a este pensamento recorrente, ok?) É que “revitalização” é quase que sinônimo de “gentrificação”, que é o enobrecimento de determinada área (e que sempre culmina na expulsão de seus moradores “tradicionais”, seja com ações de especulação que encarecem os preços de alugueis, seja com a compra de imóveis inteiros e a determinação de saída destes moradores mesmo). Pois sim, a W3 Sul abriga, na porção das 500, moradias de muito mais baixo custo do que as das 700, ou das vizinhas riquíssimas 300 e 100. Só que a cidade deve ser desfrutada por todos, qualquer que seja seu poder aquisitivo.

Ponto 1: “é preciso chegar aos moradores”.

É. É extremamente necessário chegar aos moradores. Esses, que acabei de me referir, são provavelmente os que melhor aceitarão as mudanças. Já conversaram com os das 700? Porque reanimar uma área significa levar a ela barulhos próprios da cidade que os moradores da Asa Sul parecem desconhecer – e isso não é uma crítica, é uma constatação, já que Brasília é mesmo tão diferentona das demais cidades “normais”.

Além de o brasiliense da Asa Sul ser bastante adepto da Lei do Silêncio, a região das 700 vive, há anos, o dilema da insegurança pública. As quadras são muito mal iluminadas nas áreas verdes, o que cria corredores imensos e escuros à noite, e expõe moradores e visitantes a um clima indesejado de pouca tranquilidade no uso do espaço público. Logo: adianta olhar um pedaço da região com o carinho e as possibilidades que o setor criativo proporciona sem observar a vizinhança?

Observem também os moradores das 300, tá? Quando o Espaço Cultural Renato Russo era cativo dos jovens, e sua escadaria da entrada virada pra W2 vivia cheia deles, os moradores da 308 tanto perturbaram e encheram o saco que conseguiram extirpar a molecada de lá. E tô falando sobre algo que ocorreu antes de 2005, quando escrevi uma reportagem sobre o local, enquanto era estudante de Jornalismo ainda. Resultado: hoje é uma área erma.

Ponto 2: medo de favelização da área e apoio de empresários e frequentadores

Se eu fosse empresário da W3 Sul eu estaria mesmo louco pra que algo fosse feito ali. Em maio de 2019, a avenida estava com 30% de suas lojas fechadas, o que se agravou com a pandemia. Um ano antes, o GDF discutia a possibilidade de implantar o IPTU progressivo, que determinava que o valor do imposto aumentaria, ano após ano, se o imóvel permanecesse fechado. A ideia é boa, porque força os donos de imóveis a reduzir os valores de aluguel. Ao mesmo tempo, seria de muito bom tom “condecorar” os comerciantes que mantém lojas no local com descontos em seus impostos.

Ponto 3: já combinaram com o policiamento ostensivo?

Além da questão econômica, e unindo-se os argumentos levantados nos pontos 1 e 2, já houve a combinação com a Secretaria de Segurança Pública sobre um novo esquema de policiamento na área? Hoje, o comércio fecha as portas às 18 horas. Podendo funcionar até 22. O problema é que ninguém quer ficar exposto à insegurança, nem comerciantes, nem comerciários, nem frequentadores. E o movimento, ao contrário do que se imagina, aumenta a segurança de um local, não o diminui.

Ponto 4: já pensaram sobre o que fazer com a W2 e as Praças?

Além da frequência da juventude não ser historicamente muito bem quista pelos moradores das 100, a W2 é quase que uma não-avenida. Repleta de comércio diurno, serve mais de estacionamento do que de qualquer outra coisa. Já se imaginou, numa reanimação da região, sobre o que fazer com a W2? É necessário pensar.

Igualmente é preciso um olhar mais criativo e multidisciplinar com as praças das 700 – a do Compromisso (ou do Índio, na 704) e a da 705/706. Como Brasília é diferentona, ela não deu função utilitária às praças, que viraram locais apenas de passagem e que ficam ermos à noite. Suas localizações são péssimas para qualquer ideia de atividade noturna, visto que cortam todas as quadras de casas e isso geraria problemas com os moradores. Mas gerar uma nova frequência na W3 será mais difícil se estes locais se mantiverem ermos e sem vigilância.

E agora, José?

Bom, participaram dessa reunião com as gestoras do GDF: o diretor de criação Wesley Santos; Marcos Moreira, presidente da Associação dos Designers Gráficos do DF (Adegraf); Alexandros Xavier, associado da Adegraf; o vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF), Pedro de Almeida Grilo; e os grafiteiros Daniel Toys, Erick Derk e Mikael Omik; a assistente Kathbeen Ribeiro, da Toys Omik; e Ramon Borges, assessor da Segov. Muita gente criativa, ótimos olhares pra região e que podem tornar a plástica do corredor bem mais palatável, o que é importante. Podem ajudar a pensar nessas soluções aí, mas: incluam-se as secretarias de Cultura, de Meio Ambiente e de Segurança Pública nesse debate aí. E os atores privados dessas respectivas áreas. Não se muda a configuração de uma avenida apenas na base do “vamos fazer”. Com o olhar mais ampliado, porém, vai dar trabalho, mas é possível. Boa sorte!


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