Beatles e as cartas para uma filha

Conheça a história de um beatlemaníaco vitimado pela covid-19 que deixou um tesouro para a filha de 14 anos. Mas este tesouro pode estar escondido em uma capa de disco de paradeiro desconhecido

Karlo Schneider entrou no Facebook em dezembro de 2007. Deixou poucas pistas de quem é: marcou o nascimento em Mossoró (RN), a residência em Natal (também no RN) e trancou informações sobre a quantidade de amigos, onde trabalhava e o que fazia. Mas a discrição não conseguiu omitir o trabalho em um hotel – e a provável paixão pelo ofício – e que era seguido por 430 pessoas. É que tem coisa que não se consegue trancar, como os comentários de amigos ou as marcações em fotos de terceiros.

I’m Karlo…32 years old,bazilian…I like travelling ,football and rock and roll.I love my daughter and wife.

Karlo Schneider, na aba “Sobre” de seu Facebook

Dentre as poucas informações públicas, esta declaração de amor à família no “Sobre”; e uma foto, que agora percorre os jornais e portais da internet: a do porta-retrato na forma da palavra “rock”, estilizada em forma de guitarra, com as formas e cores da bandeira do Reino Unido e, na letra “o”, vazada, a foto em que aparecem ele, a mulher e as duas filhas. Parecem estar no inverno do hemisfério norte, provavelmente na própria Inglaterra – já que, por lá, é mais fácil encontrar uma loja de souvenires com coisas estampando a bandeira do que comida – pois aparecem de toucas, todos, e com uma daquelas árvores de folhas amarronzadas, secas.

Outra informação que se escapou com a publicação desta imagem: o apelido “Shinna”, deixado por algum amigo, que me fez pensar: será por causa dos olhos puxados? Um tico mais de concentração e, não, deve ser por causa do sobrenome mesmo…

Aos 40 anos, Karlo entrou para a lamentável estatística de vítimas da covid-19, num país que segue brincando de roleta-russa com as vidas de toda a população, na mais verdadeira e torpe face do neoliberalismo, segundo o qual, cada um que se vire para dar conta de suas demandas (e se isso significar que você morra, azar o seu). E é agora que sua história percorre o mundo e que sabemos que ele era fã dos Beatles – e produzir eventos com este tema era sua ocupação no ramo hospitaleiro.

Barbara, a filha mais velha de Karlo, ganhou este nome para homenagear a ex-namorada de Lennon, Barbara Bach. E quando ela nasceu, em março de 2007 – portanto, antes mesmo de ele entrar no Facebook e começar a dividir o pouco de sua história que dividiu nas redes sociais – ele escreveu cartas para que ela lesse quando completasse 15 anos. Pediu que Alcione, sua esposa, e amigos, fizessem o mesmo. Karlo tinha 25 anos. Agora que a covid provocou essa perda lastimável para esta família, Alcione foi atrás das cartas e… elas simplesmente desapareceram. Na busca por respostas, ao recordar do jeitão do marido, bingo! Ele deve tê-las guardado junto aos maiores tesouros que tinha: os LPs dos Beatles, vários deles, raridades.

Ocorre que… Continuamos em um país cujos governantes se lixam para a vida das pessoas, certo? E um dos setores mais afetados pela pandemia foi o da hospitalidade. Vendo a possibilidade de atravessar dias difíceis, sem eventos, Karlo pôs à venda seus discos. “Ele adorava brincar de caça ao tesouro”, contou Alcione aos vários veículos de imprensa que cobriram o caso. Então, se você é um beatlemaníaco e adquiriu algum disco nos últimos tempos, dá uma olhada na capa dele? Vai que encontra, ali, um tesouro que pode não significar nada para você, mas que para a Bárbara, a Alcione e a Laya (a caçula) serão mais valiosos do que qualquer outra coisa neste mundo…

Neste canal de beatlemaníacos, a história completinha sobre o caminho dos discos do Karlo. Dá um confere:

arte do topo feita sobre imagem de Cláudio Roberto (reprodução/Facebook)

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