Morre José Perdiz e uma história de resistência e amor ao teatro

Criador do Teatro Oficina do Perdiz teve complicações após contrair covid-19 enquanto fazia tratamento cardíaco. Legado para Brasília é inestimável.

Quem viveu, sabe a aventura que era entrar numa oficina mecânica, atravessá-la, e encontrar uma arquibancada. Sentar-se sobre ferragens e assistir, diante de si, a magia do teatro acontecer. Era assim, até 2008, num beco na 708/709 Norte, espaço ocupado pelo Teatro Oficina do Perdiz nos 38 anos anteriores. Dessas coisas que Brasília não suporta: uma área que era pra ser pública, mas que estava ocupada há décadas, dando vazão à arte. Um terreno ao lado, onde um prédio seria construído e jamais gostaria de conviver com “aquilo lá”. Resultado: despejo, e dessas coincidências escrotas da vida, lá está o beco, ainda hoje, sem uso, sem destinação inteligente, sendo apenas beco soturno que serve ao mijo noturno. E a oficina vizinha, hoje, está em ruínas e sem uso. Bem feito, construtora Ipê-Omni (a responsável pela encheção até o despejo)!

Fato é que essa ideia de fazer da própria oficina mecânica um espaço teatral foi do senhor José Perdiz. Um enteado pediu o espaço emprestado para ensaiar, pois era aluno da Faculdade Dulcina de Moraes. Tempos após, tornou-se teatro de verdade. Em 2008, a última peça a se apresentar foi “Diário do Maldito”, da companhia Teatro do Concreto, que escreveu o texto inspirado na obra de Plínio Marcos. Estive numa das últimas apresentações. Em março daquele 2008, o teatro foi tema do ótimo quadro “Me Leva Brasil”, no Fantástico, do excepcional Maurício Kubrusly, e três semanas após, a batida de martelo: o teatro estava fechado.

foto: reprodução / Documentário Oficina Perdiz

Só em 2015 houve solução para o imbróglio, com intervenção do Ministério Público do DF: um imóvel comercial na Rua das Oficinas, agora na 710 Norte, abrigaria o novo Teatro do Perdiz. Não era mais o teatro construído com a inventividade de José Perdiz, os assentos a partir das ferragens e as arquibancadas, mas ainda era o espaço dele. Agora está nas mãos de sua filha: seu José abrigava a oficina no térreo, o teatro no subsolo e vivia no andar de cima.

Na madrugada deste 20 de fevereiro, ele, que estava doente do coração e recém-contraído de covid, nos deixou aos 89 anos. Seu legado, no entanto, será eterno. Foi imortalizado em documentários, reportagens e teses acadêmicas.

Como este:

imagem: André Borges / Agência Brasília


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