Restaurante e casa noturna anuncia encerramento das atividades após 32 anos deixando muita gente feliz
Foram 32 anos de Brasília. 32 anos de história. Três décadas de profundo amor e, acima de tudo, respeito por todos que nos brindaram com o prazer da convivência, reconhecimento e admiração. Nos últimos 2 anos temos tentado evitar esse momento, mas infelizmente a situação se tornou insustentável.
A pandemia, as novas regras de proibição de cobrança de ingresso e a falta de apoio para o setor cultural foram duras demais e decisivas para nosso fechamento.
É de se consternar. É de doer. Não dá pra achar qualquer coisa positiva nisso. Não dá. As palavras são do comunicado oficial publicado na conta do Instagram. E não há brasiliense que goste da noite, do carnaval, da alegria, da arte, que não deva parcela da própria felicidade a este lugar tão peculiar.
Surgido em 1990 no etéreo Setor Bancário Sul, setorzinho onde funcionam sedes de grandes bancos, empresas, a TV e Rádio Band no alto do prédio onde o Calaf funcionou nos últimos anos, mas onde nada, absolutamente nada acontece fora do horário comercial – a não ser pela programação sempre animada e conectada com o pulsar da cidade do Calaf.
Quem o conheceu há alguns anos, no térreo do prédio ao lado de onde funciona hoje, se lembra do intenso espremer-se entre seres humanos que era divertir-se ali. Uma maratona para encontrar lugar pra ficar, buscar bebida, ir ao banheiro e conseguir ouvir o samba sempre presente ou os tantos outros ritmos que davam o tom ao local. A casa era pequena, apertada, e aos poucos foi se alargando para além das marquises e dar um pouco mais de conforto aos clientes.
Quando se mudou para o atual espaço, também adotou o nome de “Outro Calaf”. Era outro mesmo: pé direito absurdamente alto, muito mais espaço, palco, conforto, dois pontos fixos de bar e um terceiro eventual, mas aquela essência feliz continuava ali.
Carnaval
Enquanto o marasmo dominava o Setor Bancário Sul, o Calaf iniciava, há poucos anos, um movimento de transformação. Contíguo ao bar, tiveram início os blocos do Aparelhinho e Divinas Tetas, de modo que as imensas lajes que compõem as ruas do local se transformavam em passarelas de foliões. O after tinha endereço certo, e era o Calaf.
Quando tínhamos uma banda com a cara de Brasília dos anos 2000/2010, a Móveis Coloniais de Acaju, essa banda resolveu que também estaria dentro do novo carnaval da cidade: assim, no Calaf, começou a fazer das terças gordas a data do Móveis Axé 90. Quando acabou, seus integrantes e o de outras bandas montaram um projeto carnavalesco, o EaEaÔ. Meu auge como DJ foi encerrar a noite do carnaval de 2017 com meu repertório de axé vintage repleto de É o Tchan. Não sei definir o congraçamento que aquilo significou.
Últimos tempos
Já vi o Calaf em centenas de configurações: hiperlotado, miado, estilo festa estranha, irreconhecível por estar tomado de adolescentes, mas jamais o vi triste. Também em 2017, na comemoração do aniversário de um amigo, em que predominavam os espaços vazios e a liberdade pra dançar ocupando três metros quadrados cada indivíduo que quisesse, teve Harmonia do Sampler por lá. Eu não resisti.
Na parede da (minha) memória, essa é a lembrança mais antiga registrada. Em 2012, o amigo Murilo Salviano deixava Brasília e o Brasil, para estagiar na Rádio França Internacional. Fomos comemorar no antigo Calaf. Não encontrei o conjunto de fotos que demonstre a juventude dele, apenas esta em que ele não está, mas que fazíamos essa bobeira de unir os calcanhares e as pontas dos pés. Que tempo feliz!

Minha última saída também foi lá, quando o pessoal do Samba Urgente fez um evento beneficente para arrecadar fundos para tratar o câncer de um dos sambistas. Chovia fraco no dia, a ômicron começando a comer solta – dois amigos que estavam comigo se contaminaram e só pode ter sido lá – mas a alegria de estar no Calaf se mantinha intacta. Ainda pensei no quão bem eles estavam atravessando a pandemia, mantendo funcionários e estrutura… E que baque, agora, saber que não passou de uma impressão.
A programação de encerramento vai até o dia 13 de março. Tomara que seja exatamente o período em que a curva da pandemia tenha a queda brusca, observada nos outros países, após o pico da ômicron, e a comoção e mobilização sejam suficientes para que a decisão seja revista. Por outro lado, que seja aprovada hoje a Lei Paulo Gustavo e consiga dar sustentação a espaços importantes para a cultura da cidade e do país.
Ah: nem vou falar sobre a felicidade que foi ter o Sistema Criolina nascendo por lá, nessa vida, e todas as segundas-feiras aquecendo nossos corações, né? Isso vale um post inteirinho. A propósito, obrigado, Rodrigo Barata, por me convidar para tocar no Eaeaô!
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