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RIP, Elza Soares!

A mulher do fim do mundo nos deixou neste 20 de janeiro, dia de São Sebastião e dia da morte do (apesar de macho escroto) amor de sua vida, Garrincha

Como toda homenagem é pouca pra Elza, vou deixar aqui parte do texto do podcast que fiz sobre ela, que traz uma série de informações e dados biográficos e que mostra o quão incrível foi e sempre será Elza Soares. Aproveita pra ouvir o podcast, linkado em seguida. Ouvir Elza é muito bom…

Este podcast está indo ao ar em 8 de março de 2021, dia internacional da mulher e é por isso que não haveria nada melhor pra esta data do que um disco de segunda do álbum “Deus é Mulher”, da Elza Soares, lançado em 2018.

E falar de Elza Soares é um tanto complexo porque é um turbilhão de informações e representações e representatividade contidos numa senhora de 90 anos, que registra no corpo e na voz todo o sistema de opressões que atravessa a mulher brasileira, nos séculos 20 e 21. Ao mesmo tempo, ela foi eleita pela rádio BBC de londres como ‘a cantora brasileira do milênio’, em 1999.

Deus é mulher é nada mais, nada menos que o 33º disco de Elza Soares, que está na ativa desde 1960 numa história de muitas inúmeras superações. Em 1953, Elza tinha apenas 23 anos. Tinha 4 filhos vivos, dois mortos recém-nascidos por causa da desnutrição e uma filha havia sido sequestrada. O marido, um amigo do pai dela, tinha morrido dois anos antes. Aliás, esse casamento foi arranjado porque esse marido abusou sexualmente de Elza e a engravidou quando ela tinha apenas 12 anos, e o pai dela arranjou este casamento pra recuperar a honra da filha.

Elza passou a infância num cortiço no bairro da Água Santa, na Zona Norte do Rio, perto de Engenho de Dentro, mas nasceu na favela da Moça Bonita, que hoje se chama Vila Vintém, e fica no bairro de Padre Miguel – que aliás sedia a escola Mocidade Independente de Padre Miguel e que terminou em terceiro lugar no carnaval de 2020 ao homenagear a cantora com o enredo “Elza Deusa Soares”.

Foi neste contexto que Elza Soares foi ao palco do programa de auditório de Ary Barroso na Rádio Tupi. Desde cedo ela sabia cantar, aprendeu, como diz, “com a lata d’água na cabeça e um filho no bucho”…

Elza não tinha dinheiro e se vestiu com roupas emprestadas da mãe, que eram velhas e maltrapilhas. A plateia caiu na gargalhada enquanto ela subia ao palco, e Ary, quando a recebeu foi extremamente grosseiro, perguntando o que ela tinha ido fazer ali. ‘Cantar’. ‘Mas de que planeta você veio?’ ‘Do mesmo do senhor, seu Ary’. ‘E qual é o meu planeta?’ ‘O planeta Fome’.

Silêncio

Assim como eu e você agora, a plateia e ele se calaram. E antes que ela terminasse de executar a música Lama, Ary estava abraçado nela e dizendo: ‘senhoras e senhores, aqui nasce uma estrela’.

Aliás, “Planeta Fome” é o nome do último disco de Elza, lançado em 2019, porque ela não para.

Antes a história de vida dela tivesse apenas essas dificuldades, que já foram barras pesadíssimas, mas veio depois um casamento com Garrincha em que ela era acusada de brecar a trajetória do ídolo de futebol por causa de ciúmes, quando na verdade ela lutava era contra o alcoolismo dele. Eles começaram esse romance com ela sendo “a outra”, “a amante”, mas depois que ele se separou da esposa e foi morar com ela, aí é que nunca mais tiveram paz. Era a imprensa detonando os dois, era o público, eram traições de Mané e era muita violência doméstica.

Tá achando ainda pouco? Pois ela adotou as seis filhas do Mané quando a primeira esposa dele morreu. E teve com ele um filho, o Garrinchinha, que sabe o que aconteceu? Morreu também, aos nove anos, num acidente de carro. E sabe aquela filha sequestrada quando tinha um ano? Se chamava Dilma. E Elza só foi conseguir reencontrar 30 anos depois.

Estão aqui todas as camadas de representações? Ainda não, porque Elza ainda teve de lidar com o racismo por muito tempo na vida, quando era impedida de cantar em determinados locais por ser negra. Não à toa a interpretação da música “A Carne”, que diz que ‘a carne mais barata do mercado é a carne negra’, ganha tanta potência e projeção na voz dela…

Quando chega 2015, tudo isso vem à tona no disco “A Mulher do Fim do Mundo”, e a continuidade dele, é o disco de 2018, “Deus é Mulher”, sobre o qual é o nosso podcast de hoje. Vamos então falar sobre ele, faixa a faixa.

Pra encerrar, eu preciso parafrasear o Chico Buarque na canção dele que eu mais gosto e que depois eu descobri que ele compôs pra Elza Soares, “Dura na Queda”:

Perdida na avenida
Canta seu enredo
Fora do carnaval
Perdeu a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural
Esquinas mil buzinas
Imagina orquestras
Samba no chafariz
Viva a folia
A dor não presta
Felicidade, sim
O Sol ensolará a estrada dela
A Lua alumiará o mar
A vida é bela
O Sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas
O Sol ensolará a estrada dela
A Lua alumiará o mar
A vida é bela
O Sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas
Bambeia, cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir
Vagueia, devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é ferida aberta
E não se vê chorar…
O Sol ensolará a estrada dela
A Lua alumiará o mar
A vida é bela
O Sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas
O Sol ensolará a estrada dela
A Lua alumiará o mar
A vida é bela
O Sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas

Toda homenagem é pouca para essa deusa. Descanse em paz. Encontre os seus. Obrigado por tudo, Elza!

imagem do topo: Daryan Dornelles / Divulgação


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