Um totem para a Portela do DF

Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc), afilhada da tradicional escola carioca, ganha totem pra dizer: aqui tem patrimônio imaterial, Brasil!

Desde que Rodrigo Rollemberg assumiu o governo do Distrito Federal, em 2015, o quadradinho não sabe mais o que é o carnaval com desfile de escolas de samba. Se é verdade que os bloquinhos fazem bem mais sucesso (ooh, grandes coisa, mesmo no Rio é assim, carapálida), também é correto inflexionar: porque é que “escola de samba” tem esse nome? Por ser onde se formam os sambistas, oras! E o samba é do Brasil. Daí a importância de se pensar nelas e em seus carnavais de passarela no DF também. E se para ser honesto é preciso dizer que o caixa do GDF esteve em condições difíceis nos anos Rollemberg, também é fundamental falar sobre prioridades. Se o carnaval de rua rolou por todos esses anos, então… Alguma coisa podia ter sido feita. E aí chegamos na Aruc.

A Aruc é a mais tradicional escola de samba do DF. A mais campeã, nem sei quantas vezes, mas é tipo mais de 30 (mentira, eu sei, são 31). Foi fundada em outubro de 1961 e não deve ser exagerado usar a expressão de que “quando eu cheguei, tudo ali era mato” – poderia muito bem usar, caso a escola tivesse uma voz. Quando associamos o bairro do Cruzeiro ao Rio de Janeiro, é porque seus primeiros ocupantes eram vindos dos escalões menores da administração pública, então não é à toa que é neste território onde habita a escola cuja madrinha é a Portela. Os desfiles da Aruc, aliás, sempre foram mais bonitos porque esse amadrinhamento permitia um intercâmbio imenso de materiais, pedaços de carros alegóricos, ideias… As demais escolas sempre tinham de redobrar esforços pra conseguir fazer perto. E, porventura, ganhar os carnavais.

Em 2014, último desfile, eu era editor do Jornal Local da TV Brasília, mas me botavam na reportagem nos plantões. Especialmente os de bagunça: carnaval, Copa do Mundo, esses que tinha que fazer matéria divertida – na emissora, matéria burocrática era explicitamente proibida, quanto mais em ocasiões de farra. E foi quando tive de acompanhar o desfile, à época no estacionamento do Mané Garrincha. Como era eu e um cinegra, ninguém mais, nem adiantava pensar em cobrir o evento pra contar o que cada escola levou à avenida, as alas, os carros: ia entrar uma matéria de 2, 3, quiçá 4 minutos e fim. Caí na farra com os ritmistas, os sambistas, as passistas, o pessoal dos carrinhos de golfe que limpava tudo entre uma escola e outra. Quem ganhou foi a Acadêmicos da Asa Norte, um tri conquistado com 0,8 ponto à frente da Aruc.

“Nós tínhamos esperança. Infelizmente o carnaval tem dessas coisas, as nossas alegorias, que estavam muito bonitas, tiveram perda de pontos. Mas agora só há uma solução, esfriar a cabeça, se reorganizar e fazer um carnaval melhor”,

disse, à época, o diretor financeiro da escola, Francisco Paulo. Sem saber que pelos sete anos seguintes, essa solução estaria fora dos planos.

Ao instalar o totem (que é desses que são bem característicos do patrimônio de Brasília), o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Bartolomeu Rodrigues, disse que o marco “representa o esforço de todos, neste momento triste da pandemia, em resgatar o samba no DF, que chegou aqui junto com os construtores de Brasília. O poeta avisa ‘não deixe o samba morrer/não deixe o samba acabar’ e, ouvindo a força dessa bateria, ficamos emocionados porque, neste momento delicado de 450 mil mortes no Brasil, a vida parece ser maior que toda a tristeza”. Ai, Bart, honestamente? Suponhamos que chegamos a 2022. Suponhamos que rolou de o DF estar tipo vacinadão, e poderemos ter carnaval. Vai rolar um algo além de palavras bonitas para a Aruc e esse totem? Perguntar não ofende e a torcida é toda para que sim.

Insegurança jurídica

Na reportagem da Agência Brasília que relata o momento da instalação do totem, o presidente atual da escola fala da insegurança jurídica sobre o terreno da Aruc. No site da agremiação, consta: “Assim como não podemos imaginar a Via Sacra fora do Morro da Capelinha ou o Bumba Meu Boi de Seu Teodoro fora de Sobradinho, não dá para considerar que a Aruc ocupe outro espaço que não seja em sua sede no Cruzeiro Velho”. Total. Mas quem é que tá perturbando e querendo esse terreno, meu Deus do céu? E pra quê? Não achei essas respostas, só sei que: pelamor de Santa Gertrudes, né? Bora admitir que a área é da Aruc, quem quer que esteja infernizando, e parar com a palha assada? Bora arrumar outro lote, mas pra capinar?

A presidenta do Conselho Regional de Cultura, Sheila Campos, foi taxativa: “a Aruc desempenha esse papel há décadas nesse território. Do Cruzeiro, jamais poderá sair. São gerações de moradores e de moradoras que usufruem e se fortalecem juntos com a Aruc”. É isso.

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