Artistas de Brasília: o céu não é o limite para Betty Bettiol

Preparei uma reportagem sobre os artistas plásticos de Brasília que estampam a capa da última edição da revista GPS. Desdobrada em uma série com cada entrevistado para o portal GPS|Lifetime, ela virou três matérias de perfil. A primeira: a incrível Betty Bettiol

“O repórter pode vir aqui sem problemas. Ficamos ao ar livre e eu já tomei as duas doses da vacina há 40 dias e, de quebra, a de gripe, aquela simplesinha. Pode marcar o dia que eu espero por ele”. A mensagem de Betty para a diretora desta publicação, Paula Santana, já deixava claro quem é a artista: alguém acostumada ao contato pessoal. Tão logo recebi a missão de entrevistá-la, liguei e agendei para o dia seguinte, às 9 da manhã. “Não tem erro, você vai ver a minha casa e o vagão de trem, que é meu ateliê”, disse-me ao indicar os pontos de referência.

A recepção foi de máscara, mas o sorriso estava claro no olhar. Imediatamente ela me apresentou a fachada da casa, um monumento do arquiteto Zanine Caldas. “Não é bem uma casa. Tem essa área social e duas áreas íntimas”, explicou. A chamada “área social” é o “bloco principal”, em formato circular, sustentada por colunas de madeira maciça. Abriga, em cima, a sala de estar, e embaixo, a de jantar e a cozinha. Unidas por halls abertos à área social estão, em cada lado, as duas áreas íntimas: à direita, o quarto imenso e com mezanino onde viveram os três filhos, todos adultos; e à esquerda, o quarto do casal. Embaixo destes quartos, o escritório do marido e quarto para hóspedes.

A sala de estar, envidraçada, de frente para o Lago Paranoá, é recoberta de arte: uma réplica dos anjos da Catedral de Brasília, um Volpi na parece, inúmeros outros artistas e artesãos brasileiros de esculturas e peças de cerâmica. Sentamo-nos na poltrona mole de Sérgio Rodrigues. “Boa parte dos meus móveis são dele”. Bom, bastou essa pergunta sobre estarmos num móvel de design clássico brasileiro, para que Betty começasse a abrir a vida.

“Zanine construiu isso, começou em 1974, quando a madeira não tinha esse problema que tem hoje. Agora, você veja, é uma catedral o que ele construiu aqui. Éramos muito amigos e ele dizia que essa casa era a menina dos olhos porque eu deixei ele fazer o que ele quiser. Carta branca. Às vezes eu sento aqui e fico olhando pra esse teto, eu mesma… É minha casa, mas eu acho ela muito linda”, conta.

A reflexão foi logo após dizer que não sabe o que fazer com esta casa quando não estiver mais aqui. Mas evitemos o assunto.

Betty está prestes a completar 80 anos. Ano que vem, fará 60 como moradora de Brasília e como esposa de Luiz Carlos Bettiol, que conhecera cinco anos antes de se encontrarem e casarem em menos de seis meses. A família formada foi numerosa: além dos três filhos, tem três noras e oito netos. Até a pandemia, a sala de jantar era ocupada pela família, religiosamente, todas as quintas-feiras. São duas mesas que, juntas, comportam 16 pessoas. Lembra o que falamos sobre o quarto dos filhos? Sim, era apenas um. Seriam quatro, um para cada filho, mas após o falecimento de um deles ainda criança, Eduardo, Betty decidiu que criaria todos os filhos sempre juntos. Hoje o pequeno pavilhão é seu ateliê. O vagão de trem, que falamos no início desta reportagem, é destinado apenas às gravuras. No ex-quarto das ex-crianças estão as tintas, os pinceis, as telas, as esculturas e cerâmicas que nascem das mãos dela.

Inclusive a tela que estampa a nossa capa. Que é, na verdade, imensa. Tem mais de cinco metros de altura, e ganhará uma gêmea, que está em pleno processo de criação. “É Brasília”, a artista explica. “São os tons de verde presentes na bandeira de Brasília, se encontrando e se entrelaçando, como é a vida aqui”, explica. Há, ainda, os tons amarelados – também presentes na bandeira distrital – e os azulados, que remetem ao céu da cidade.

É que, para Betty, o céu não é o limite. Depois de criar os filhos, tornar-se artista plástica e fazer sucesso, no final dos anos 80 resolveu realizar o mais ousado sonho: o de pilotar. Ela e Luiz Carlos tiraram o brevê e foram, cada um em um avião, até Goiânia, para dar início a essa nova paixão. Desde então, ganharam o Brasil.

“Quase todas as obras vieram no meu aviãozinho. As grandes, não. Mas a maioria das peças de artesanato brasileiro vieram nele. Não existe distância pra gente porque a distância é muito relativa. Você fala ‘ah, são quatro, cinco horas de voo até chegar a Teresina’. É, mas eu também não tenho combustível pra chegar lá. Então a gente ia parando no meio do nada, porque as pistas… Não sei como é que tinha combustível. E o que é que aconteceu: antes nós éramos jovens e tínhamos um avião velho. Agora temos um avião moderno e somos velhos”, completa, às gargalhadas.

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