Eu odeio esse tipo de título. Se fosse bom em previsões, estava ganhando dinheiro com isso, like the Dinah Mother. Acontece que é inevitável recorrer a este recurso pobre de linguagem quando a riqueza musical e de detalhes é que toma conta do que você está prestes a contar – e a ver, sem qualquer sombra de dúvida. Emília Monteiro tem nome de boneca e de seu criador. Deixa para o sobrenome a métrica, para o nome a cor. Sim, você já brincou de “que cor teria essa música”? Seriam todas, se pintadas suas canções.
Há pouco menos de um ano, ela me foi apresentada por um amigo no trabalho (como é bom fazer rádio!) e, simpática, entregou-me um disco em finalização. Uma boneca de disco – agora sem referências à personagem de Lobato, “boneca” aqui é um teste de impressão do encarte, mais o CD caseiro. Impactei-me de cara com a arte em multicores, mas já falo sobre isso. Quando a vitrolinha pôs o som pra rolar, aí a completude deste impacto: voz potente, profusão de sons que vão do bom e velho roquenrol ao marabaixo, exclusivo do Amapá – um canto de lamentações dos escravos. Inclui aí metais, batuques de carimbó, matizes de raiz africana… E exploda.
Amapaense radicada em Brasília, afilhada musical da paraense Dona Onete, cheia de graça (o nome do disco), dona de suingue, de timbre e de voz, Emília apresenta em seu cardápio musical masterizado canções de Ellen Oléria (Córrego Rico, gravada antes de a própria finalizar seu disco), Zeca Baleiro (a mais agitada do álbum, Coisinha, absortamente sensacional), de vários outros autores de Brasília e do estado natal. Além, é claro, de músicas da madrinha, sendo a mais suingada “Eu quero esse moreno pra mim”, cuja letra percorre o pedaço de Amazônia que é todo dela: marabaixo, carimbó, xote bragantino e o lundu de Marajó. E não faltam, no álbum, batucada (Mão de Couro), guitarrada, jazz, até um bocado de fado. Um tesão.
Mas tesão mesmo é ver Emília ao vivo. Dona de uma simpatia e sorriso naturalíssimos, cheios de frescor e sem frescura, ela esteve ao lado da Banda Boto (do Amapá) no cafofo do Balaio Café, nesta terça-feira (21), arrepiando um público seleto (lembrando: choveu pra caralho e mesmo assim o cafofo do local ficou apertado) e muito empolgado. Do repertório próprio, de 12 músicas, ela interpretou oito – pelo menos foram as que consegui identificar. Depois, entrou com tudo no embalo da região, com “Chorando se Foi”, da Márcia Ferreira, e “Bate forte o tambor”, do Carrapicho, além de “Ai, Menina”, da quase conterrânea Lia Sophia (Lia é natural do Suriname, cresceu no Amapá e radicou-se no Pará). E aí nasceu minha constatação de que nasceu uma estrela.
Não, não tenho qualquer pretensão de achar que é a partir de agora que ela nasce como estrela, só porque eu assisti seu show ao vivo. Emília já vem desenvolvendo um trabalho muito sólido ao longo deste último ano (desde que lançou o disco) e se apresentado em diversas casas da capital e do Pará e Amapá, conquistando o coração e a preferência de muita gente. Fato é que ficou claro e evidente pra mim que um sucesso estrambólico em todo o país e, quiçá, fora, são só questão de tempo. #ficadica, Mariozinho Rocha.
Sobre a arte do álbum, é mais um golaço marcado. Assinada por Ralfe Braga, conterrâneo da cantora duas vezes – de nascimento e de radicação – a capa e encarte refletem as cores da voz de Emília em traçados únicos. Remetem a Andy Wahrol, Romero Britto, e ao mesmo tempo não tem nada a ver com eles, já que são só do Ralfe. Só a título de curiosidade, são deles as artes sobre Brasília instaladas no estádio Nacional Mané Garrincha.
Conselho de amigo (hoje tô bom na arte dos clichês): pra arrumar algo de melhor pra fazer nessa sua vidinha medíocre, vai ouvir o disco da Emília Monteiro right now, at this moment? Aqui, por favor. Brigada eu. De nada. Magina. Quêisso, menina. Risos.