É difícil ouvir Faroeste Caboclo, hit da Legião Urbana lançado em 1987 e hino de toda uma geração que cresceu nos anos 80 e 90, e não fazer o automático exercício de projeção mental de um filme com a saga de João de Santo Cristo. A partir de agora, porém, difícil será ouvir Maria Lúcia e não lembrar de Ísis Valverde. De Jeremias, o rival maior do protagonista, e não pensar em Felipe Abib. E de João de Santo Cristo sem revisitar o dramático olhar de Fabrício Boliveira. Todo mundo pensou neste filme, só um o realizou: o brasiliense René Sampaio.
Talvez a experiência de transformar uma música tão roteirizada em filme seja nova no cinema. Quem entrar na sala de projeção, estará certo de que conhecerá cada detalhe da história. Ledo engano. Em “Faroeste Caboclo – o filme”, René conseguiu dar vida – e com ela, minúscias – a cada personagem conhecido pela letra. Encher personagens de história. Embora Maria Lúcia seja, na letra de Renato Russo, ponto nevrálgico do duelo final, por exemplo, você já pensou em quem seria essa moça? Na canção, ela é uma menina linda. E só. Quem são seus amigos, que vida é aquela que ela leva, como pode se relacionar com dois traficantes em nove minutos e destruir, no fim, a própria vida e a dos dois? Assista ao filme.
Claro, se eu for muito além disso, vou começar a fazer spoiler – contar a história e seu final – e eu não quero isso. O que posso contar, então: a Brasília da lente grande de René é bem diferente de qualquer Brasília que já tenha sido retratada nas telonas e telinhas. Há, claro, alguma relação com o poder nas nuances da história, mas fica no terreno das nuances. É uma Brasília muito mais reconhecível aos brasilienses. Por ser uma cidade nova, ainda sem um sotaque muito característico, construir uma personagem brasiliense foi um desafio para Ísis, por exemplo. Em uma cena, ela diz “cê é abusado, hein?”. Este “abusado” é bastante presente na linguística do dia a dia da cidade, embora poucos notem. Ela (Ísis) explica que, para isso, em parte dos dois meses que morou na capital, gastou tempo frequentando locais de gente muito comum.
Mas também não posso ir além no que ela me contou, pois isso será tema de série de reportagens especiais para o noticiário da Nacional FM Brasília, que eu e a repórter Thaís Antônio estamos preparando para a semana de estreia do filme (o lançamento aberto será no próximo dia 30).
René também conseguiu feito inédito: você reconhece a música em cada minuto de filme, ao passo em que se surpreende em cada minuto do filme. Ou seja, assistir Faroeste Caboclo é, mais do que se emocionar com o refino e a sofisticação de um diretor estreante em longas-metragens que levou sete anos para concretizar seu projeto. É uma experiência completamente nova. E, se você reparar bem, não é uma obra nova inspirada numa obra antiga. É a transformação de uma obra antiga em uma nova, respeitadas a métrica, a intensidade e a carga emocional de cada minuto da música.
Quanto ao final, de novo, eu não vou contar. Vou só te garantir que é, como em todo o filme, surpreendente.