E a vida irrita a arte…

Capa da meiaum deste mês, por Cícero Lopes.
Capa da meiaum deste mês, por Cícero Lopes.

Saiu a edição número 05 da gloriosa revista meiaum. Este blog é parte dos conteúdos digitais exclusivos da revista, e este número está apenas incrível. Tenho um exemplar em mãos e você, bem em breve, o terá também, pelos bares e restaurantes da cidade. Enquanto isso, vou publicando por aqui o meu texto que saiu na sessão “Papos da Cidade” – que dispõe de crônicas, reclamações e elogios à nossa Brasólia. E eu, aqui, fazendo a linha “ranzinza”:

Sempre soube, desde que desembarquei definitivamente em Brasília – e isso tem 10 anos – que essa era a cidade-arte. Mas as coisas da vida realmente irritam a arte, ou a cidade-arte.

O céu de Brasília. Arquitetado por Lúcio Costa para ser soberano às vistas de quem esteja aqui, é realmente lindo. Na maior parte do ano. Em setembro e outubro, o marrom da foligem de queimada o tornam horrendo e o ar, poeirento, impertinente às narinas, gargantas e olhos.

A Esplanada? Bela e grandiosa, entre novembro e maio. Depois, o gramado, antes verde, verte-se em amarelo amarronzado pela poeira vermelha do Cerrado e não, não é bonito aquilo.

O verde das inúmeras áreas verdes realmente refrescam as monções secas da estação seca da cidade. Até a primeira chuva. Logo depois, uma imensa nuvem de cigarras brota do nada, canta em coro orquestrado e a impressão é a de que todas resolveram entrar por seus ouvidos e gritar, mil decibéis acima da capacidade auditiva humana. Se você gosta de bares, esqueça aqueles ao ar livre, com mesa embaixo de árvore: as cigarras mijarão em sua testa, insistentemente, até acertarem o alvo: a sua cerveja.

Afora as cigarras, tem os passarinhos. São acalentadores os cantos deles. Até que um resolva armar um ninho no bloco vizinho ao seu e decidir cantar, diariamente, às quatro da manhã em ponto… E se lhe falta garagem, mais um motivo para amá-los menos: carro na rua e eles, em grupo e sem dó, o  bombardeiam de cocô.

E o Congresso? Niemeyer foi realmente genial ao pensar nas duas cuias paraenses gigantes de tacacá para o formato da Câmara e o do Senado: uma pra cima, a outra virada. Não dá para escrever o mesmo sobre a nova torre de televisão digital. Comentar sobre a forma fálica da própria tem se tornado dos hobbys preferidos de quem vive na cidade-arte.

Às vezes a vida imita a arte. Quase sempre, a vida se irrita com a arte. E a vida irrita a arte, sempre. Deixemos-la em paz.

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