Sérgio Maggio em três atos

foto: Claudia Ferrari, blog Cricriemcena (do Maggio!)
foto: Claudia Ferrari, blog Cricriemcena (do Maggio!)

Primeiro ato. Liberdade, o bairro mais negro da América do Sul, Salvador, Bahia. Aos 15 anos, ele se matricula na Escola Técnica Federal e lá, tem aula de Literatura e Língua Nacional com a professora Cecília – uma carrasca que, diziam as “línguas de matildes”, havia reprovado a própria filha. Dela, ganha a missão de adaptar uma crônica para o teatro.

Ele jamais havia ido ao teatro até então. Sequer referência familiar sobre a arte ele tinha. Ao entrar no palco, deixa cair a maleta que segurava para a cena, o que expõe a camisa, calção, cueca e meia que havia guardado da aula de educação física, instantes antes. Isso não estava no script. Tensão dos colegas de palco.

–  Meus documentosssss – grita, também fora do script, recolhendo cada peça. A plateia vem abaixo, em risos. E ele experimenta, pela primeira vez na vida, o poder do teatro.

Segundo ato. Escondidas, romantizadas, presas, excêntricas. Sem saber, afinal, quais eram as caras daquelas mulheres – se seriam as de Atenas ou as das personagens de reportagens de jornal – ele foi atrás para descobrir quem, afinal, eram as cafetinas baianas.

Da literatura de Jorge Amado, ele as imaginava como Marias Machadões, donas de bordeis mãezonas, apresentadas em Gabriela. Das páginas de jornais, recebia notícias sobre as cafetinas dos garimpos amazônidas, escravizando menores, autoritárias.

Ele estudava jornalismo na Federal da Bahia quando sentiu a necessidade de escancarar a face mais real das donas dos bregas – como os baianos chamam os bordéis, e que Caetano Veloso explica em Verdade Tropical que a origem do termo se deu a partir da  sobra deteriorada da placa que indicava a rua Padre Manoel da Nóbrega, a zona de baixo meretrício de Salvador.

A princípio, a necessidade de conhecer a cafetina de carne e osso era para um trabalho de faculdade. Corta para Brasília, onde termina este segundo ato. Já jornalista de Cultura, atua como repórter e crítico de teatro no Correio Braziliense.

Após onze anos de pesquisa, lança o livro-reportagem Conversas de Cafetinas, vencedor do prêmio Jabuti em 2010, e uma peça de teatro. O Cabaré das Donzelas Inocentes é apresentado pela primeira vez em 2009, no CCBB. Em cena, os nomes e algumas histórias das cafetinas reais que encontrou dão vida a uma história cheia de humor, amor e crítica.

Saiana – de Nazaré das Farinhas (BA), uma das mulheres mais maravilhosas que ele já conheceu –, Cabeluda – reza a lenda que tinha vastos cabelos em várias regiões do corpo –, Menininha – uma prostituta lésbica –, e China – a única com quem ele não teve contato, apesar de conseguir todas as evidências de que existiu e das citações em Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado.

As quatro, hoje, deixaram seus bordeis e percorrem o país, na ficção de O Cabaré. Aliás, não saíram de lá. Os levam consigo, para encantar plateias e públicos de todas as regiões do país, menos a sul. O nome da peça, aliás, é o nome de um desses cabarés por onde o agora jornalista, escritor e dramaturgo passou. A peça corre o país neste momento, já tendo ganhado o público e a crítica de Brasília, Vitória, Cuiabá, Salvador e Belo Horizonte.

Terceiro ato. Um dia, ele se deparou com o torso nu de um homem. Um torso que despertava as mais controversas reações nas pessoas, da apatia ao escândalo. Eram os que viam pornografia naquela imagem em tela, impressa pelas mãos de J. Abreu. A discussão, é claro, rende mais um roteiro. Eros Impuro. Agora, um monólogo em que o próprio autor da obra plástica dá vida à obra cênica. Como em O Elogio da Madrasta”, de Mario Vargas Llosa, discute sobre os limites entre arte e erotismo.

O pintor em cena é obcecado pela pintura desse quadro, sem jamais conseguir terminá-lo. Ainda que sozinho no palco, dialoga com o modelo que o empresta o torso. Com os modelos, todos garotos de programa. O clímax acontece a partir do momento em que o público já não sabe mais se acompanha uma verdade ou um surto. Afinal, para o artista não existe a censura interna da moralidade, apenas a ética. Então, aquele torso nu de homem não é pornografia para ele. Apenas para ele, talvez.

Epílogo. Essas são algumas das divagações sobre ele, que deixou Salvador e neste oito de julho (sexta passada) fez 10 anos de Brasília. Ele, que fez do teatro uma universidade da vida. Ele, que hoje, é o dramaturgo da cidade. Sérgio Maggio.

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