Generosidade de Athos era maior que talento


“Artista eu era. Pioneiro eu fiz-me. Devo a Brasília esse sofrido privilégio. Realmente um privilégio: ser pioneiro”. Esse era Athos Bulcão. Nessa matéria, de novo em primeira mão para o Drops, escrevo um pouco mais sobre a generosidade do artista. Os amigos garantem que ele era mais generoso do que talentoso… Uma perda de valor inestimável, mas na hora certa: não deve haver maior aflição a um artista do que ficar impossibilitado de produzir, não é?

Acima da genialidade e do talento de Athos Bulcão, a maior definição dos amigos do artista, que morreu hoje (31) em Brasília após uma parada cardíaca, era a de que ele era um homem generoso. Tanto pela natureza de suas obras – a maioria fica em espaços públicos – quanto pela dele próprio, que gostava de receber alunos de artes em casa (foi professor da Universidade de Brasília, UnB) e que não se importava de ter sua arte reproduzida sem autorização.

Essas informações são de amigos do artista: a secretária executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral, a ex-presidente da instituição, Cláudia Pereira e o advogado do artista, Eduardo Ramos Júnior.

O velório de Athos começou às 17h no Palácio do Buriti – sede de despachos do governo do Distrito Federal que abriga um dos painéis do artista – e vai até amanhã, às 16h. O corpo dele seguirá em cortejo fúnebre pela avenida W3 Sul, uma das principais de Brasília e preferidas de Athos, onde ele morou duas vezes. Em seguida, ele será enterrado na área dos pioneiros, no Campo da Esperança, maior cemitério do Distrito Federal.

“Doutor Oscar [Niemeyer] foi o grande responsável pelo Athos ter feito esse trabalho tão grandiosos em Brasília. Onde Oscar ia, levava Athos”, contou Valéria Cabral, em entrevista coletiva na tarde de hoje, na sede da fundação que leva o nome do artista. Ela disse que foi amiga de Athos por muitos anos – o conheceu há mais de três décadas – e que o viu pela última vez há três dias. Doente do mal de parkinson, ele estava lúcido, segundo Valéria.

“As obras preferidas dele eram os painéis do Teatro Nacional e o da Torre de TV. Este último porque era a única obra de arquitetura de Lúcio Costa [urbanista que desenhou a planta da capital federal]. Do Teatro Nacional porque Oscar [Niemeyer] pediu que ele criasse uma coisa leve e pesada ao mesmo tempo. E ele disse que teria que criar algo que trabalhasse com sombras para isso”, contou a secretária executiva.

O painel do Teatro Nacional é uma das 200 obras espalhadas por locais públicos de Brasília, mas talvez seja a maior e mais visível: trata-se de uma enorme lateral do teatro, revestida por blocos em alto relevo de cinco medidas: 30×30 cm, 60×60 cm, 30×90 cm, 60×60 cm e 60×90 cm. É possível ver uma foto da obra, clicando aqui.

“O que Athos sempre quis foi partilhar da obra dele com as pessoas. E não há nada mais democrático do que Athos. Suas obras estão por todo lugar, qualquer pessoa pode ter acesso a elas. Ele dizia que não queria prender sua arte num museu”, conta Cláudia Pereira. Uma curiosidade: ele não gostava de assinar suas obras “porque elas interferiam no seu trabalho”, completa Valéria.

Para o ex-advogado de Bulcão, Eduardo Ramos Júnior, a morte dele foi um alívio para o artista.

“Ele estava sofrendo muito, então descansou. O parkinson que ele teve estava muito avançado, então prejudicou o entendimento dele. De uns tempos para cá, ele estava muito sofrido. Ano passado ele estava melhor, inclusive ele fez um projeto de azulejos para uma amiga minha de escritório. A partir do momento em que a doença deixou ele incapaz de produzir, então ele perde muito. Ficou sofrendo muito, e pra quê viver sofrendo?”, desabafou o amigo. O painel do salão negro do Congresso Nacional, assinado por Athos, foi dedicado aos seus pais.

* foto do José Cruz (Agência Brasil)

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