A mente inquieta de uma nômade


Mais uma de minha incursão pelos últimos dois dias (ou melhor, um dia e 1/2) pelo 8º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros. Dessa vez, conto a história de Doroty – a pronúncia não é a mesma da missionária paraense, morta há cerca de 3 anos. A sílaba tônica é o “ti”, ou seja, Dó-ró-tíí.

Efusiva, enérgica, esfusiante, inquieta, sábia, astuta… Ela oferece um beijo na boca para cada um de seus meninos – explico: ela coordena um projeto social com cerca de 120 crianças e adolescentes da vila – se não fizerem tudo direitinho. E eles fazem, “morrem de medo de levarem um beijo na boca da velha”, conta ela, aos risos temperados pela voz forte, grave e rouca do cigarro de palha… Mais uma vez, dou control+c na Agência Brasil e control+v por aqui. Dá uma olhada…

O que é o que é: faca sem ponta, galinha sem pé? Ninguém sabe ainda. Mas é esse o título da opereta com que a educadora e artista Doroty Marques e as 80 crianças e adolescentes da “Turma que faz”, projeto social que coordena na vila de São Jorge, em Alto Paraíso de Goiás (GO), vão encerrar o 8º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.

Doroty guarda a sete chaves o segredo da opereta popular, um espetáculo que mistura teatro, dança e música. Há quatro anos, ela chegou ao povoado para dar às crianças e aos adolescentes do local uma ocupação diferente.

Num espaço de madeira, coberto com sapê, que ela chama de escola, as crianças passam o dia aprendendo todo tipo de arte. Eles fazem cerâmica, produzem instrumentos, aprendem a cantar, a dançar, a interpretar e confeccionam as roupas que vão usar na apresentação.

“Sou uma ditadora”, ela se autodefine, ao receber a equipe de reportagem da Agência Brasil na escola. “Uma ditadora do Cerrado. Aqui, só se pode falar nele”, justifica-se, aos risos.

O projeto “Turma que faz” existe há quatro anos, desde que Doroty chegou a São Jorge, depois de longas temporadas por favelas cariocas, onde desenvolveu projetos semelhantes, o “Escola da Criança” e o “Criança faz arte”.

A artista e educadora também se autodefine como nômade. Antes das favelas do Rio, ela morou no Uruguai e em outros países sul-americanos. “Sou uma artista que decide continuar uma arte que te ajuda a pensar, a escolher, a modificar, e pra fazer isso eu tenho que ficar muito tempo junto de você, não uma hora”, conta.

Quando indagada sobre de onde é, Doroty, que é mineira, responde apenas “do mundo”. É que, como ela mesma diz, as andanças dela pelo mundo dependem da continuidade.

A escola da Turma que Faz recebe de crianças de 5 anos de idade a adolescentes de 18. Ela avalia cada um. Em determinado momento, de aprendizes, eles tornam-se agentes culturais e passam a atuar como multiplicadores. Na verdade, são eles continuarão com a escola, quando a coordenadora do projeto perceber que sua missão foi cumprida.

Parte da verba que a Petrobras destina ao evento vai para o projeto social de Doroty. Desta forma, ela consegue manter uma cooperativa de mães, cujo “produto são os filhos” e que participa das atividades, e ainda custeia a escola e paga uma ajuda de custo aos alunos. Ao todo, são cerca de 120.

Dototy ainda não faz idéia de onde vai morar depois de São Jorge. É assim desde os 24 anos, dos seus 62. Enquanto ela aproveita o momento no vilarejo, continua a trabalhar. Um dos últimos trabalhos foi a publicação de uma cartilha sobre frutos do Cerrado, com versos dela e ilustrações dos alunos.

“Fomos pesquisar sobre frutos do Cerrado para fazer uma ópera, não achamos nada na internet. Achamos dois, três. Não existia. Falei: ah, não? Pois nós vamos fazer um livro. E é assim com tudo o que a gente vê que precisa e que não existe, por isso que se chama Turma que faz”, diz, orgulhosa.

* As fotos são do Roosewelt Pinheiro (Agência Brasil), meu amigo, que me acompanhou por lá.

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